Dois poemas de António Guerreiro de Matos, sendo a primeira a burra a queixar-se do moço dos mandados, e, a segunda o moço a responder.
A burra queixa-se do moço
Mote
Não posso estar parada
Não posso estar parada
Não posso estar parada
Não posso estar parada
I III
Eu conheço que burra sou É diária aquela trilha
Não passo de uma inocente A caminho de Aljustrel
Quando o burro esteve doente Assim me tiram a pele
Ninguém à burra ajudou Com a velha albarda e cilha
Agora até lavrar vou O suor no corpo me brilha
Terra barrusca e molhada Por andar bastante forçada
Tenho o gaiato por camarada É picadela e varada
Que me faz suar e sua Até à porta da leiteira
É água leite e charrua No monte sou aguadeira
Nunca posso estar parada Nunca posso estar parada
II IV
Se um cavalo ou burro me cobrir Este Jacinto Zarolho
E eu faça a conta de dia Parece uma lesma prenha
Como posso eu ter a cria Quer que eu vá à vila e venha
Sem ter vagar de parir Enquanto se esfrega um olho
Venham esta burra ouvir O pior é dar-me molho
Da má vida amargurada Em vez de palha e cevada
Eu ando sempre irritada Ao sair da arramada
Com o sacana do moço Já me queres ir batendo
É vila, lenha e poço Abalo fugindo venho correndo
Nunca posso estar parada Nunca posso estar parada
O moço responde à burra
Mote
Tu não te podes queixar
Tu não te podes queixar
Tu não te podes queixar
Tu não te podes queixar
I III
Burra eu não sou culpado Tu ainda tens companheiro
Desse teu grande fadário Para ir por ti burra malvada
Estou ganhando o meu salário E tu ficas com a manada
Pela falta obrigado Fazendo na terra espojeiro
Tens-me escandalizado Só eu não tenho um parceiro
Por eu te fazer trabalhar Para um domingo descansar
Queres ao patrão contar Ainda tu queres falar
As pancadas que eu te dou De mim que faço os mandados
Vás à vila eu também vou Eu dou-te palha aos braçados
Tu não te podes queixar T u não te podes queixar
II IV
Ouve lá cavalgadura às vezes de manhãzinha
Não sejas provocadora Quando as vacas estão à ordenha
Palha em tua mangedora O Jacinto vai buscar lenha
Eu dou-te sempre fartura E tu burra estás na casinha
Da aveia e favas faço mistura Ainda falas ó jumentinha
E dou-te a conta que eu quero dar Por te fazerem lavrar
E tu comes até fartar Vás à sementeira ajudar
Quando da vila vens A mandado do patrão
É esta a razão que tens Se falas é sem razão
Tu não te podes queixar Tu não te podes queixar
Autor: António Guerreiro de Matos
Aivados, 1 de Dezembro de 1961
Sem comentários:
Enviar um comentário